sexta-feira, 24 de outubro de 2008

UMA TESE É UMA TESE: o rodapé mais longo da minha história!


Uma tese é uma tese
Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos umapessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese édefendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelaspessoas que gostam de botar banca.As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoameses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos.
Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tematé teses pós-morte.O mais interessante na tese é que, quando nos contam, sãomaravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha osofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e ésempre - sempre - uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese decabo a rabo.São chatíssimas.
É uma pena que as teses sejam escritas apenas para ojulgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, aspessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tesefica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic melembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador?Apud Neto.
Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se auto decreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta .E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem adefesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutratese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gentepara assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na práticamesmo.Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmarque toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo.
Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290.Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática.Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, oelemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto.Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que agente saiba a que conclusões chegou.
Mas jamais saberemos onde fica obicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminara tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas.E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso?E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida,s eparações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É,defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Franciscode Assis.
Em tese.Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cadaum, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:- Não vou mais estudar! Não vou mais na escola.Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses.- O quê? Pirou?- Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada navida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta porcausa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese.Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixamnem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?Pensando bem, até que não é uma má idéia!Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobrea tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história?Acho que seria uma tesão.
"Minha presença no mundo não é de quem a ele se adapta, mas de quemnele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto,mas sujeito também da história." (Paulo Freire)

Um comentário:

Rafaela disse...

Só faltou direitos autorais dessa crônica maravilhosa: Mário Prata!